Apologética é má teologia, como disse certa vez meu ex-professor Júlio Zabatiero. Primeiro, porque parte do princípio de “defesa da fé”. E desde quando urge que a fé seja defendida? Ora, desde quando ela tem sido “atacada”, diria alguém. Entendo, porém, que precisamos, sim, responder às interpelações feitas a fé, mas sem a preocupação em fazer do diálogo um tribunal onde ela possa ser defendida e, no fim das contas, quando “ganharmos a causa”, ser absolvida de suas acusações – o que já não poderia ser chamado de “diálogo”. Dar razão da esperança que há em nós, como diz Pedro, é diferente de defender a fé, que em si, existe para ser indefesa, frágil, e sujeita a retaliações, como foi Jesus. Ele não defendeu a fé, a causa, a missão, mas procurou integrá-las com divina coragem e discernimento a sua vivência e prática diárias.
Segundo, porque a defesa precisa se assemelhar ao ataque para poder partir para o contra-ataque. Nesse aspecto, a apologética peca, pois ainda persiste num diálogo de surdos com a linguagem científica do século XIX, em pleno século XXI, afirmando “certezas” onde só temos “impressões”, “linguagens”, “interpretações”. A certeza e a verdade que afirmamos, pela fé, afirmamos mais com a vida, e menos com o discurso ou de modo proposicional. O discurso, por sua vez, é recheado de incertezas, de imprecisão, de subjetividades. E assim precisa ser, pois se configura como discurso humano sobre o divino, a parcela falando sobre o todo, ou, parafraseando Ellul, aquilo que há de mais imperfeito e temporal falando sobre o perfeito e eterno. Que conseguiríamos nós com nossa “fala sobre Deus”, senão, expressar uma parte? Ora, o próprio Paulo foi quem disse que hoje conhecemos apenas uma parcela da verdade, e então, quando vier o que é perfeito, conheceremos como também somos conhecidos.
Terceiro, se nossa teologia é, por natureza, recheada de proposições sobre Deus, defendo que estas sejam modestas e assumam-se como um discurso em meio aos outros, e não “O Discurso” e “A verdade”, como a maioria das apologéticas acaba se colocando quando apresenta o Cristo travestido de sua roupagem teológica, sem, porém, que se reconheça as limitações óbvias dessa roupagem. O Cristo Verdade-Caminho-Vida é absoluto como ser, mas acaba sendo (e precisa ser) relativizado quando passa pela via dos conceitos humanos. E todo conceito, como diria Nietzsche, nasce por igualação do não igual. Nesse sentido, igualar Cristo a nossas ideias sobre Ele é uma pretensão para lá de funesta, e é onde pecam muitas das apologéticas, do passado e do presente.
Doutrinas não são absolutas; podem ser, sim, percepções relativas, ainda que fiéis, de um princípio absoluto. A relatividade ou provisoriedade da doutrina não é uma negação ou diminuição do absoluto, mas é a assunção de nossa incapacidade de compreendê-lo. Se for absoluto não pode ser reduzido – e em grande medida isso é o que são nossos conceitos ou percepções de Deus: reduções. Que falham ainda mais quando não se assumem como tais, e ainda se vêem no direito de dizer quem está e quem não está do lado “da verdade”. Mas a questão é: se é absoluta, como pode ser expressa? Pode ser expressa por meio da parcialidade imperfeita do discurso – ou da vida. Afirmar que expressamos ou vivemos em parte, é a maneira como Paulo em 1Co 13 nos ensinou a viver na casa do conhecimento sem abandonar a casa do amor.
Mas antes que confundam o que estou dizendo com relativismo, reitero o que já disse em outro lugar: afirmar que nosso conhecimento não é capaz de “dar conta”, de deter a verdade ou alcançar a verdade objetiva, não significa dizer que “não existe mais uma verdade absoluta”, e sim que não pode haver uma visão (humana) absoluta da verdade. Posiciono-me, portanto, a favor assunção da condição relativa de nossas percepções, e não do relativismo (a ideia de que “tudo é relativo”). Se tudo é relativo, então nada é relativo (?), pois o “tudo” se transforma em “absoluto” no dizer do relativista. No fim, o relativismo acaba sendo outra forma de apologética, tão tacanho e sem sentido quanto esta no tempo em que vivemos. Como disse Elienai Cabral Jr. (@elienaijr), há pouco no Twitter: “Não creio em verdades maleáveis, porque narrativas ou poéticas, e verdades duras, porque racionais ou científicas. Apenas descrições várias”.
Jonathan
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