A felicidade no encontro com Cristo
Abordar a questão da felicidade de Cristo é fascinante e, ao mesmo tempo, muito difícil. Isto, porque entendo que a felicidade em perspectiva cristica é um paradoxo. Nesse sentido, é insuficiente (e até desonesto) sair por aí dizendo coisas como “só em Jesus encontramos felicidade” ou “vem ser feliz com Jesus”. Afinal, no “frigir dos ovos”, como dizem por aí, o que isto significa? Que espécie de felicidade é essa?
Bem, Jesus afirma (não como promessa, mas como um tipo de conforto realista aos discípulos) que eles seriam felizes – abençoados ou bem-aventurados – enquanto vivenciassem uma série de situações nada confortáveis e que, até por isso, estão e sempre estarão em franco contraste com o entendimento mais ou menos comum que as pessoas têm de felicidade. Vejamos alguns trechos deste discurso – conhecido como “As bem-aventuranças” – na tradução “The Message”, de Eugene Peterson.
Segundo Jesus, felizes são:
...aqueles que se encontram no fim da linha. Com menos de si mesmo, sobra lugar para mais de Deus e de sua lei.
...aqueles que sentem terem perdido o que há de mais precioso para eles. Só assim poderão ser abraçados por Aquele para o qual são o que há de mais precioso.
...aqueles que desenvolveram um bom apetite por Deus. Sua comida e bebida serão a melhor refeição que já tiveram.
...aqueles cujo comprometimento com Deus provoca perseguição. Esta os conduzirá mais profundamente ao Reino de Deus.[1]
A felicidade aqui tem a ver, antes de tudo, com um modo de ser, no qual está embutida uma aceitação (jubilosa) da irremediável condição em que os discípulos se encontrariam à medida que tentassem ser fiéis aos valores e modo de vida radical que Jesus depois apresenta ao longo do Sermão do Monte. Pensando na felicidade no encontro com Cristo, gostaria de destacar algumas coisas que me chama atenção somente nos trechos acima elencados.
Primeiro: que ser feliz não tem (diretamente) nada a ver com satisfação (pelo menos não ao modo imediatista, que quer tudo de bom aqui e agora) ou com bem-estar, mas se parece mais com um “contentamento descontente” (lembrando aqui da poesia de Camões).
Segundo: que o que está em jogo não chega nem perto de uma busca pela felicidade, uma vez que não são a pretensão ou a ambição que dão o tom, mas o abandono e a despretensiosidade dos despossuídos.
Terceiro: que, entre perdedores e ganhadores, aqueles que perdem serão consolados com a esperança de encontrar alguma vantagem na desvantagem.
Quarto: que a realização dos felizes não se encontra tanto na conquista da autonomia quanto na graça da dependência. Como disse C. S. Lewis, “o próprio Deus é o combustível que nosso espírito deve queimar, ou o alimento do qual deve se alimentar”, e ainda que “Deus não pode dar uma paz e uma felicidade distintas dele mesmo, porque fora dele elas não se encontram”.[2]
Finalmente, o centro da existência dos felizes ou bem-aventurados não está neles, ou em qualquer “vitória” que possam conseguir aqui e agora, mas em Deus e na construção de seu reino, não somente nesta história, mas também dentro dela. Se a felicidade pousa em seus ombros não é pela e nem na busca, mas em meio ao gradativo desprendimento da vida simples e a liberdade interior de quem se deixa ser guiado mais pelo sopro do Espírito da vida que pelos ecos e ventanias do espírito do tempo.
Jonathan
Notas
[1] Mateus 5, versos 3, 4, 6, 10. PETERSON, Eugene. The Message: The Bible in contemporary language. Colorado: NavPress, 2005. Tradução minha.
[2] LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 66.
Nenhum comentário:
Postar um comentário