A felicidade no encontro com a realidade
De que maneiras a felicidade está relacionada com a realidade? O que é o real? Ele se dá a conhecer?
Para começo de conversa, não há definição (e compreensão) possível da realidade que não passe pelo jogo do espelho. Quando nos olhamos nos espelho, o que vemos: a apresentação de quem realmente somos ou uma projeção distorcida? Alguns hoje dizem que a televisão mostra as pessoas de modo enganoso, assim como as revistas de moda, fitness, fofoca e pornografia – tudo por causa dos efeitos da produção e do photoshop: uma corzinha de mais, uma ruguinha e estriazinha de menos, e por aí vai.
Por sua vez, o espelho também produz algo ilusório. Basta pensar nas muita versões que temos de nós mesmos diante do espelho, a depender do ângulo pelo qual nos fitamos. Assim também é com a realidade. Segundo Paulo, não vemos as coisas claramente, mas “como em espelho” (1Co 13.12). Então, a realidade – “esse conjunto dos acontecimentos designados para a existência”[1] – é aquilo que existe e acontece não somente como nossos olhos e mente captam, mas muito além deles. A realidade, tal como é, me escapa; ao mesmo tempo, é indelével, porque chamada a se produzir a despeito de todos os esforços feitos para impedi-la, negá-la ou evitá-la.
Ou seja, a realidade é apresentada como aquilo que “é” independente de qualquer conceito, queixa ou rejeição. Da relação que estabeleço com este real depende minha felicidade; à medida que a realidade situa o ser que a (felicidade) deseja. A vida real, portanto, me remete ao inevitável confronto entre a felicidade desejada ou prometida e a felicidade possível.
Se, porém, Bauman estiver certo em sua tese de que a felicidade nunca deixa de ser um alvo desejável aos artistas da vida enquanto estes perseveram na estrada que supostamente conduz até ela, então nem o real, por mais trágico que seja, seria capaz de destruir seu “sonho de felicidade”; no máximo, o que ele pode fazer é adiar o sonho. Neste caso, para os paladinos pós-modernos da felicidade, a esperança (individualista) é a última que morre.
Em todo caso, ainda que não se possa acabar com o sentimento trágico da existência, é possível oferecer o narcótico adequado para suportá-lo ou sublimá-lo.
Clément Rosset, em sua reflexão filosófica sobre o tema da alegria – que subjaz e pode ser associada ao tema em questão – propõe, em contrapartida, a afirmação da alegria (que ele chama de “força maior”) enquanto um abraço jubiloso na existência (no real), não importa em que qualidade. A isto ele chama de paradoxo central da alegria: “A alegria é um regozijo incondicional na existência e a propósito da existência”.[2] Para Rosset, a alegria, nesse sentido, ou é paradoxal ou não é alegria, uma vez que está em contradição com a realidade e consigo mesma, muitas vezes. É um inexplicável e misterioso regozijo que se experimenta, mesmo em meio ao sofrimento, de tal modo que se torna “impenetrável aos olhos daquele que sente seu efeito benéfico”.[3]
Já a atitude dos corredores que estão em busca da felicidade, tal como Bauman apontou, Rosset rotula como sendo uma “negação neurótica”, pois consiste não em se acomodar, mas em negar a realidade, considerando a infelicidade não como inelutável, mas como “provisória e sujeita à eliminação progressiva”.[4] Assim, a alegria proposta por Rosset se situa além do lugar comum da felicidade líquido-moderna, analisada por Bauman; ou poderíamos concluir que tal alegria é uma antítese (uma “força maior”) que a felicidade nesses moldes.
Jonathan
Notas
[1] ROSSET, Clément. O real e seu duplo. Ensaios sobre a ilusão. 2ª ed. revista. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 29.
[2] Id. Alegria: a força maior. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 22. [3] Ibid., p. 27.
[4] Ibid., p. 27.
(Imagem: extraída do blog http://roupasuja.blog.com)
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