quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sobre verdade em um sentido (cristão) pós-moderno (2)

Os próximos dois posts são continuações do texto anterior, em resposta aos questionamentos de meu amigo Robinson Souza (vide comentários ao post anterior). Farei isso tematicamente. Eis o primeiro tema...

Verdade na filosofia e na teologia

Quando falo sobre “verdade” em um sentido (cristão) pós-moderno implica em uma tentativa de dialogar com os discursos, filosóficos sobretudo, ditos pós-modernos sobre o assunto. Nesse sentido, não faço diferenciação aqui entre uma verdade “teológica” e uma verdade “filosófica”. Isto, pois a questão da verdade permanece sendo, no fundo, uma questão filosófica, ainda que tenha implicações teológicas profundas e envolva diretamente a profissão de fé e o testemunho cristãos – bem como o de outras religiões e crenças.

Se tomarmos, por exemplo, a discussão entre Pilatos e Jesus retratada por João (18.33-38) – aliás, o único que investe neste encontro, e não por acaso, na forma de diálogo retomando temas transversais de seu evangelho (verbo, testemunho, reino, verdade) – a teologia e a filosofia estão em intercâmbio. O tema (teológico) do reino surge de uma pergunta objetiva de Pilatos: “Você é o rei dos judeus?”. No que Jesus aprofunda a questão, dizendo que seu reino não é deste mundo, pois se fosse seus servos lutariam para que os judeus não o prendessem. Assim, Pilatos replica: “Então você é rei?”. E Jesus se esquiva outra vez de uma resposta objetiva, alegando que foi Pilatos quem disse isso, mas reforçando o sentido de sua missão (envio – “para isso eu vim”), que é a de dar testemunho da verdade. O tema da verdade, portanto, surge na fala de Jesus ligado ao testemunho de vida, de modo que aqueles que “são” da verdade, segundo ele, o ouvem.

O diálogo, contudo, se encerra com a pergunta (a que não quer calar) filosófica de Pilatos: “O que é a verdade?”. E depois, silêncio... Silêncio que diz sem dizer, que afirma sem afirmar, que significa. E dentre muitas coisas que ele pode estar significando, é que a verdade não pode ser definida, expressa em linguagem; quando isso acontece, ela deixa de ser “a verdade”. Além disso, uma resposta eliminaria qualquer sentido para a “busca”.

E esse é o problema de tantos que tentam responder objetivamente à pergunta. Diante dela, Jacques Ellul, em seu livro A palavra humilhada (1984, p. 29), disse: “Certamente não responderei, dando-lhe um conteúdo, porque seria contestado, obrigar-me-ia a fazer um imenso desvio, excederia às minhas forças”. É nisso, portanto, que se transformam tentativas de conter, definir: em imensos desvios, desvios tremendamente contestáveis. Por isso, Ellul completa dizendo que não podemos confundir a “questão da verdade” com a própria verdade:
A questão da Verdade não é a verdade. Não apelo para a metafísica. Não é a verdade porque não é o questionamento que o homem faz a si mesmo sobre sua vida. É ainda um jogo intelectual e uma maneira de estar fora da verdade. Portanto, que depois de tudo, possa ele dar uma resposta, pouco importa; que a resposta venha dele ou seja objetivada, enquanto filosofia ou revelação, também pouco importa. Mas quando o homem questiona sobre sua vida (consciente ou inconscientemente), então fica formulada a questão da verdade, e quando o homem afirma tê-la resolvido, mente (Ellul, 1984, p. 30).
Concordo com Ellul. A meu ver também não importa, se é filosofia ou se é a matéria da revelação (teologia), pois ambas acabam caindo no mesmo beco sem saída quando tentam transformar a questão (antiga e legítima) da verdade na própria verdade, afirmando tê-la resolvido. Isto é o que Nietzsche chamou de “igualação do não igual”; reduzir a verdade a conceitos ou proposições é igualar aquilo que não pode ser igualado. Assim, não vejo como posso estar “misturando as coisas”, uma vez que, a meu ver, tratar da questão da verdade é ter de pensar tanto teológica quanto filosoficamente, caso se queira problematizar a questão, e não apenas afirmar a correspondência entre palavras e coisas, dizendo “isto é verdade” e pronto, ou se resignando ao modo (dogmático) de que a minha verdade é “a verdade”, já a sua é menos verdade.

Ser cristão significa viver no limear entre o anseio pela dádiva de ser cada vez mais possuído pela verdade na vida e a boa-nova libertadora de não poder apreendê-la ou possuí-la no discurso.

(Continua...)

Jonathan

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