O que se viu até aqui em relação aos “amigos” longe está de ser uma postura de compaixão, uma vez que, de acordo com Henri Nouwen, quando nos compadecemos não nos escandalizamos com as lágrimas e o lamento do outro, não temos medo de sua dor, muito menos ocupamos uma posição de superioridade. Antes, estar com o outro implica em que nos tornemos vulneráveis, já que amar é ficar vulnerável, parafraseando C. S. Lewis. “Só estamos com o outro quando o outro deixa de ser ‘outro’ para se tornar como nós” (1).
Dessa forma, não me parece gratuita e nem sem sentido a revolta de Jó contra seus amigos, chamando-os de “consoladores molestos”, e outra vez argumentando contra a sua falta de percepção do “lugar” em que eles ocupam em comparação ao seu. É difícil se colocar no lugar do outro. Nunca poderemos ocupar devidamente esse lugar. Contudo, devemos estar conscientes pelo menos do lugar que ocupamos, e falar com honestidade a partir desse lugar, sabendo que este guarda consideráveis diferenças em relação ao lugar do outro. Nesse sentido, as palavras de Jó dão o tom de sua aversão ao “consolo” ora ofertado:
Eu também poderia falar como vós falais; se a vossa alma estivesse em lugar da minha, eu poderia dirigir-vos um montão de palavras e menear contra vós outros a minha cabeça; poderia fortalecer-vos com as minhas palavras e a compaixão dos meus lábios abrandaria a vossa dor. Se eu falar, a minha dor não cessa; se me calar, qual é o meu alívio? (16.4-6).
Sabemos do desfecho da história de Jó; não quero aqui enfatizar o desfecho, e sim o meio dessa poderosa história. Exatamente no meio dela, vemos Jó vivendo um paradoxo em pessoa (como paradoxal é a sua situação): sendo justo, sofre sem enxergar a razão de ser para tudo aquilo; tem amigos ao seu lado, mas que não conseguem demonstrar compaixão e amizade verdadeiras; teme e ama a seu Deus, porém injuria-se contra Ele por não obter as respostas que procura. Acima de tudo, em sua santa ignorância, continua defendendo seu procedimento de franqueza com Deus, não obstante sua evidente falta de esperança (13.15).
Jó não se rende a explicações simplistas, nem aos jogos de barganha de seus amigos. Ele leva o Senhor a sério demais para aceitar se relacionar dessa forma. Ao mesmo tempo em que se vê justo, não deixa de reconhecer a sua miséria. Exatamente porque crê que seu redentor vive, não se furta em expor sua queixa e descontentamento perante Ele. Jó foi honesto com Deus e com seus sentimentos e pensamentos humanos!
E nem havia porquê ser diferente. Deus é Deus, e não será menos Deus por causa de nossas dúvidas, injúrias, questionamentos ou lamentos. Até porque, lamento não é (necessariamente) pecado ou blasfêmia. Ademais, creio que Ele é suficientemente capaz de lidar com a nossa revolta e de compreender nossas fraquezas. Ele não precisa do trabalho de guarda-costas dos amigos de Jó, nem sua ação se traduz na imaculada “teologia moral de causa-efeito”. Deus foi gracioso e amoroso o bastante para receber as queixas de seu filho Jó e dar a elas o tratamento adequado a seu devido tempo, sem precisar de outras pessoas fazendo o “trabalho de Deus” e nem torturar Jó numa inquisição sem fim porque ele demorou tanto para entender os propósitos divinos.
A compaixão é a antítese do dispensável trabalho dos “consoladores molestos” e um passo adiante para uma vida íntegra e honesta com Deus, consigo mesmo e com os outros.
Podemos ser compassivos: sofrendo junto, não fazendo tribunal com o desespero de quem sofre e reclama por sofrer; respeitando seus processos; ouvindo, não julgando, ficando vulnerável, valorizando a honestidade, oferecendo um espaço aberto de acolhimento às queixas do outro, não importa como elas se apresentem; não estranhando nem se escandalizando com aquilo que é humano; considerando a complexidade da situação, ao invés de se render a respostas simplistas; falar apenas o que o bom senso mostrar ser necessário e cabível; calar-se, às vezes a maior parte do tempo, entendendo que estar presente é o mais importante. Em nossa presença, Deus se faz presente para o outro.
Notas
1 - NOUWEN, Henri. Mosaicos do presente. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 101.
Jonathan
"A compaixão é a antítese do dispensável trabalho dos “consoladores molestos” e um passo adiante para uma vida íntegra e honesta com Deus, consigo mesmo e com os outros.". Excelente!
ResponderExcluirJonathan, você tem algum banner tamanho 120x60 pra eu divulga-lo no meu blog?
Abraço!