quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Carta à minha aluna, Elisabete

Querida Bete,

Quero começar dizendo que para mim tem sido um presente divino tê-la como aluna e companheira de jornada durante esse ano que se finda. Desde o primeiro dia de aula, no início do semestre passado, na disciplina de Metodologia da Pesquisa, pensei em quão desafiador seria ter uma deficiente visual em minha classe. Afinal, era um fato inédito em minha, relativamente recente, vida de professor. Será que eu estou preparado para esta situação? Como vou me adaptar ao seu contexto e necessidades? Como posso ensinar? Mas logo percebi que essas eram perguntas inúteis, sob certo ponto de vista. Porque, no início, eu é que não enxergava...

Não enxergava que, na verdade, poucas vezes estamos preparados para a vida; a vida é quem frequentemente nos prepara para ela mesma, através das muitas oportunidades que cruzam nosso caminho. E foi assim que passei a entender a sua presença, depois de certo tempo, sempre marcante, em duas de minhas classes neste ano: como uma oportunidade de crescimento para todo mundo, embora tome isso para mim, de modo especial.

Quando percebi em você a garra e a alegria de viver de quem vai à luta, apesar das muitas dificuldades, vi que não havia tanto com o que me preocupar quanto ao meu papel como professor, que é sempre limitado. Minha preocupação passou a ser: como posso aprender com a Bete, sua história e exemplo de vida? E você me ensinou muitas coisas ao longo desse ano, pode ter certeza. Até porque, aprendizado não se dá com conceitos, idéias e informações acumuladas na mente, mas, sobretudo, através de experiências vivenciadas que guardamos no coração (no centro de nosso ser). Logo, parafraseando Beto Guedes, experimentamos o aprendizado como lembrança de uma lição que até podíamos saber de cor, mas que ainda restava aprender.

Assim, aprendi que a cegueira física não é uma deficiência maior que a cegueira espiritual e ética de tantas pessoas – incluindo a mim mesmo, em certos momentos. Pelo contrário, ela permite que se enxergue mais que os outros em tantas coisas, sobretudo quando se busca forças em Deus e na superação de si mesmo; e quando se entende, como Paulo, que a sua Graça nos basta e que o poder se aperfeiçoa na fraqueza; e você tem feito isso, e me inspirado a também fazer, com as minhas deficiências (todos as temos). Ensinou-me a ser perseverante, a não reclamar da vida, a lutar pelo que sonho, a caminhar com os mais simples e aprender da sabedoria divina neles escondida, a acreditar na vida e, mais do que isso, a continuar a acreditar que Deus existe e que Ele anda ao nosso lado, nos guiando em nossos belos, às vezes tortuosos e difíceis, mas encantáveis caminhos. Obrigado por tudo até aqui, querida irmã!

Um abraço fraterno!
Jonathan

5 comentários:

  1. Lendo este texto lembrei desse cara: "Evgen Bavcar" ele é um fotografo, e é cego.

    Foi a primeira vez que vi o tamanho do meu preconceito, que eu nem sabia que tinha. Vi o quanto nós não percebemos que somos tão "cegos", e as vezes tão mais deficientes, que os próprios "deficientes".

    A sua aluna deve estar imensamente feliz, em ter um professor, que é tão humilde, e que provavelmente ensina com tanto carinho.

    Parabéns pelo seu trabalho!

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  2. Realmente somos cegos para as realidades dos outros e para muitas das nossas. Só quando nos abrimos para os relacionamentos e experiências de vida é que podemos enxergar a verdadeira realidade através dos olhos dos outros e assumi-la para nós mesmos. O que dizer de outras culturas, onde nos falta óculos que nos ajudem a enxergar além do nosso etnocentrismo, para interpretar os valores e símbolos e formas e significados que muitas vezes fazem falta no nosso dia-a-dia. Muito bom esta declaração de despertamento visual. É uma chamado para todos nós para que despertemos de nossa realidade ilusória e passemos a enxergar dentro dos sonhos da realidade alheia.

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  3. Aprendi muito nessa última semana e descobri que uma das "funções" do nosso sofrimento pode ser o cresicmento do próximo. Esse seu texto veio justamente a confirmar esse ponto de vista. Como não sentir o poder de Deus ao ver um testemunho deste?

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