quarta-feira, 7 de julho de 2010

Afinal, quem pecou? O cego, Jesus e o pensamento complexo

Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram:“Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”. Disse Jesus: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (João 9.1-3).


Esse texto pode servir de exemplo para como olhamos para os problemas práticos (e os de pesquisa) e que soluções damos para eles.

A narrativa diz que Jesus, caminhando, viu um cego de nascença. Se ele era “cego de nascença”, isso significa que não teve escolha e essa sempre fora uma das “porções” de sua “vida debaixo do sol”: ser cego. Mas havia pressupostos culturais e religiosos em jogo. Muitos judeus acreditavam que a “má sorte” (ou sinais da contingência) temporal era fruto do pecado.

Baseados nesse “senso comum”, os discípulos fazem a pergunta: “Afinal, quem pecou”, que oferece apenas duas possibilidades ao problema: (a) assume que ele pecou, é fato, só pode ser isso; (b) restando saber se foi ele (na improvável chance dele ter pecado ainda no útero de sua mãe), ou seus pais (numa versão judaica da “maldição hereditária”). Como disse recentemente o educador britânico Ken Robinson, em entrevista para a Revista Isto é, “o mundo se divide em duas categorias de pessoas: aquelas que dividem o mundo em duas categorias e aquelas que não”. Os discípulos parecem se encaixar na primeira categoria.

Jesus, por sua vez, oferece uma visão alternativa (não categorizável) e bem mais complexa: “Nem uma coisa, nem outra; isso ocorreu pra que na vida dele se manifestasse a obra de Deus”. Muito antes de inventarem o paradigma moderno da complexidade, Jesus já pensava complexamente. A prova disso é que em sua resposta ele não fecha questão – não é somente isto ou somente aquilo – mas abre o leque de possibilidades, que envolve as dinâmicas da vida, da fé e da ação de Deus.

Talvez, o problema de fundo da questão seja o problema do sofrimento humano. E a pergunta específica poderia ser: “Por que sofremos de doenças e outras limitações físicas e humanas?”. O olhar dos discípulos para a questão é o cultural-religioso, baseado em pressupostos e teorias fechadas. A resposta, por consequência, é determinista e simplista, baseada na lógica (Teo-lógica) de causa-efeito: existe o sofrimento (cegueira); e sofrer é sempre ruim, porque é fruto do pecado; logo, alguém pecou, ou o cego ou seus pais. Resolvido o dilema!

O resultado de uma pergunta na qual a resposta já está embutida e de um problema mal formulado é a construção de respostas capengas, simplistas e unilaterais.

O olhar de Jesus para a questão é o divino, compassivo, abrangente, complexo, que enxerga diferentes lados e não se arvora em oferecer respostas simplistas, fáceis, para situações complexas. A resposta de Jesus me faz parar pra pensar se a Bíblia tem uma resposta lógica e definitiva ao problema do sofrimento. Parece-me que não. Isto, pois, se pode considerar que: (a) todos sofremos, de um jeito ou de outro; (b) nem todo tipo de sofrimento tem uma origem certa ou razão de ser lógica e racional. Então, a questão permanece aberta...

A resposta de Jesus não é a de alguém que quer dar explicações, é a de quem quer encontrar finalidade e propósito na existência, por mais dura que seja. O que ele responde, portanto, não é o que Deus “pensa” sobre o sofrimento daquele homem, para remontar a sua origem, e sim o que Deus faz a respeito. Nesse caso, Deus curou e libertou. Mas a obra de Deus é dinâmica (como a vida) e não se apresenta apenas de um jeito. E não é para que ela se manifeste que existe o sofrer, mas, em meio ao sofrer, ela pode se manifestar de modo surpreendente. Como disse William P. Young, autor de A Cabana: “A graça não depende da existência do sofrimento, mas onde há sofrimento você encontrará a graça de inúmeras maneiras”.

Jonathan

3 comentários:

  1. Cara que reflexão boa e humana. Fantástico. Parabéns.

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  2. Que reflexão maravilhosa! Nós todos temos possibilidade para sofrer! Mas, temos que ter sensibilidade.

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  3. Glória a Deus por essas palavras, pois elas refletem muito bem a nobreza do amor que Deus teve por nós, ao se fazer homem e morrer de uma forma tão atroz, para abrir os nossos olhos espirituais e nos trazer da morte para a vida.
    Deus te abençoe ainda mais!!!

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