quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sobre o livro "Missão Integral", de Gondim (III)

No segundo capítulo do livro, Gondim já é mais direto quanto ao olhar, que se volta especificamente à MI e a falta de sintonia entre seus representantes no norte e sul da América. Ele defende que o movimento nasce na América Latina antes mesmo do evento de Lausanne, na década de 1960, quando teólogos e pastores autóctones perceberam a necessidade de uma mensagem de salvação que incluísse também o terreno e não apenas o ultraterreno, e que fosse contextualizada e relevante às circunstâncias vivenciadas pelo povo latino-americano. Desde então, “missão” aqui significava mais que “missões” ou evangelização; implicava no anúncio de uma mensagem mais abrangente que redundasse em ações que promovessem uma sociedade mais justa e igualitária.

No encontro mundial em Lausanne, 1974, essa perspectiva se confronta, segundo o autor, com a visão das agências financiadoras do evento, como a Associação Evangélica Billy Graham, Aliança Evangélica Mundial e a Cristianismo Hoje, centradas na missão como evangelismo. Daí ser aquele um congresso de evangelização. Isso se expressa não só nas palestras ora proferidas, como também no “Pacto de Lausanne”, que representou o elo entre as diferentes facetas ali presentes, como também demarcou uma ruptura, pois, como defende Gondim, “os principais temas abordados pelo Pacto configuram muito mais a agenda do fundamentalismo que propriamente um avanço dos conceitos missiológicos” (p. 84) – valendo destacar que essa é uma tese de suma importância dentro do olhar geral oferecido por ele nesse livro.

Gondim ainda apresenta um olhar crítico ao movimento de MI na América Latina. Primeiro, comparando-o com a Teologia da Libertação (TL), afirma que a última não só foi menos ambígua que a MI, como legou, com muito mais volume e qualidade que essa, produções sobre temas fundamentais para uma práxis cristã no continente, enquanto “os evangelicais se debatiam com a tensão interna se o anúncio do evangelho tinha primazia sobre a ação social” (p. 75).

Em seguida, ele introduz em seu relato o Congresso Brasileiro de Evangelização 2 (CBE 2), realizado em Belo Horizonte em 2003, onde se viu, segundo ele parece indicar, menos motivos para celebrar que para lamentar. O autor tenta demonstrar como uma combinação negativa de fatores, a saber, o “descompasso” entre as contradições internas do movimento de MI, de um lado, e a pujança do movimento evangélico em geral, impediu o desenvolvimento brasileiro de uma teologia “nitidamente latino-americana” (p. 98). Assim, conclui que o CBE 2 representou uma frustração às lideranças identificadas com a MI em impactar o movimento evangélico nas últimas décadas.

Essa avaliação, porém, parece provir de uma frustração processual e mais recente do autor e dos “outros” aos quais ele se refere, enquanto participantes diretos do CBE 2. Estive presente nesse congresso e pude constatar, pelo menos em parte, as mudanças a que o autor se refere, porém já como membro de outra geração, disposta a dar continuidade ao legado da MI no Brasil, de modo prático, crítico e reflexivo, e sem o fardo aparentemente pesado da decepção ante os rumos que ela tomou. Na ocasião, presenciei a palestra de encerramento do congresso, proferida pelo próprio Gondim. Nela, ao contrário da presente avaliação, ainda que igualmente nostálgica, o autor apresentou tanto motivos para lamentar como para celebrar, mantendo uma análise menos afetada e mais equilibrada que a atual, como na passagem que segue abaixo:
Já se passaram 20 anos e temos muito que celebrar! Embora tenhamos muito a lamentar. Neste congresso, porém, precisamos celebrar muita coisa porque, cheios de sonhos, fizemos missão integral. Fomos uma geração que engravidou de caminhos e, ao longo deles – alguns tentadores, outros ameaçadores – a cada passo nos nascia uma nova manhã e nela novas portas se abriam. E nos aventuramos por elas com nossas chaves, tentando reverter um pouco da miséria humana, salvar alguns, semear paz, falar de justiça. Fazer com que a nossa humanidade estivesse soldada à esperança de mostrar o reino de Deus que se encontra entre nós. Sim, terminaremos esse congresso celebrando (“Desafio e consagração”, In: Missão Integral. Ultimato, 2004, p. 283).
Ao mesmo tempo, ali ele já reconhecia uma pequena dose de “frustração” presente em sua geração, a qual no momento ele assume com mais peso: “Vivemos no meio de uma geração cheia de frustrações, porque sentimos que não conseguimos ser o que sonhávamos ser, não conseguimos realizar o que queríamos, não alcançamos o que desejávamos alcançar”.

(Continua...)
Jonathan

Nenhum comentário: