Uma das questões do livro de Eclesiastes é: quando não estimamos a vida de modo devido, ela vira pura vaidade! “A criação”, disse Paulo, “está sujeita à vaidade” (Rm 8.20). “Estar sujeito” é igual a estar cativo, submisso, obediente a uma lei contra a qual não se pode lutar (no sentido de extinguir). Como diria o ditado, tirado de Eclesiastes: “Pau que nasce torto nunca se endireita” (Ec 1.15). Isto é, não há quem, bom ou mau, justo ou injusto, em maior ou menor escala, não esteja sujeito à vaidade.
Debruçamo-nos em experimentar a vida. Salomão se debruçou na experiência tanto de saber, quanto de sentir. Foi o maioral em Jerusalém em sabedoria, riqueza e experiências (Ec 1.18; 2.9; 1Rs 10.23); desejou a sabedoria desde o princípio (1Rs 3.9); aplicou-se em conhecer e saber, e uma das conclusões a que chegou foi: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” e é “correr atrás do vento”. A expressão “tudo é vaidade” aqui pode significar algumas coisas: o que é efêmero, transitório, fútil, enigmático, sem sentido.
E uma razão para esse “desespero”, mesmo em relação à sabedoria, foi dada: quem pensa sofre! “Pois quanto maior a sabedoria, maior o sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto” (Ec 1.18). O filósofo Miguel de Unamuno parece se alinhar com essa perspectiva, ao afirmar: “A consciência é uma doença”. A benção da consciência é poder saber em que solo está pisando; a maldição é a incapacidade de mudar de solo apenas pelo “poder de saber”. Eis o paradoxo da sabedoria: o saber é superior à ignorância; mas quem sabe, além de sofrer mais, ainda é nivelado por baixo, pelas contingências da vida, com quem não está nem aí para o saber.
Então ele resolve mergulhar na futilidade: “Vamos lá, experimentar o prazer que a vida tem oferecer (Ec 2.1). Se a sabedoria não me possibilita estar no controle, me deixo ser levado. Ed René Kivitz lembrou bem da música do Cazuza, em seu O livro mais mal-humorado da Bíblia: “Vida louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar quero que você me leve”. Assim ele se entrega a si mesmo: “Nunca disse não a mim mesmo; não me privei de nenhum impulso; disse sim ao prazer desenfreado” (2.10).
Um projeto egoísta e auto-suficiente se evidencia nas expressões “resolvi”, “decidi”, “juntei”, “lancei-me”, “comprei”, “engrandeci-me”, ao longo do relato do pregador. Ou seja, lançou-se no projeto da serpente... Até se deparar com o paradoxo do hedonismo: quanto maior a entrega ao prazer puro e simples, instantâneo, menos satisfação real e menor sentido há de se ter.
E diante dos dois paradoxos, ele dirá: eu “aborreço”, “desprezo”, “odeio” a vida (2.17). E quem não diria, diante da percepção de que ela não entrega exatamente aquilo que promete? Como o cristão pode viver no labirinto? Como pode enfrentar os paradoxos e a vaidade da vida? Primeiro, aprendendo a aceitar a nossa falta de controle sobre a vida. É mais honesto dizer “Eu não sei”. Segundo, aprendendo a valorizar o momento. Cada momento da vida pode ser único, cada experiência, singular. Terceiro, aprendendo que o prazer é bom, mas não ilimitado. Se passar do ponto, deixa de ser prazer e passa a ser dor, vaidade. Quarto, aprendendo que a felicidade não existe fora de Deus. “Porque Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas”.
Essas contribuições, todas, estão em Eclesiastes. E soa tão inacabadas, quanto esse mesmo livro. E aí está a graça, daí o seu fascínio tremendo: deixar com que as perguntas falem tão alto que as respostas não possam ser simplistas, ou simplesmente não apareçam de cara, pois assim é a nossa vida debaixo do sol, não?
Jonathan
Fascinante! Tal qual o livro que o inspirou a escrever esse post! Mandou ver, brother! abs
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