É preciso ser muito “forte”, num sentido não muito convencional de força, para embarcar no mundo de fracos e fraquezas. Isso, pois nosso mundo é feito e disposto aos fortes, ou pelo menos os que “aparentam” ser. E onde a suposta força é celebrada e a fraqueza é rejeitada, não há lugar para os fracos e suas intragáveis demonstrações de pequenez e falta de virtude, aos olhos humanos.
Nota
[1] DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1995, p. 53.
Nessas horas aparece o conflito entre a humildade e a vanglória, a deficiência e a suficiência... Quero falar desse conflito aqui.
Em 2Coríntios 12, Paulo conta a história de um homem que há catorze anos foi arrebatado ao paraíso – se no corpo ou fora do corpo ele não sabia dizer – e que lá ele ouviu coisas indizíveis, que ao ser humano não é licito referir. Em certo momento, ele denuncia ser ele mesmo esse homem (v. 5-6), dizendo não se gloriar de tal feito, embora pudesse fazê-lo, já que se trata de algo verdadeiro. Mas que não o fez por uma razão simples: para se proteger contra os falatórios das pessoas... Imagine o que elas diriam, ou como reagiriam!
É nesse contexto então que ele diz o que mais quero chamar a atenção aqui: contra sua possível soberba, foi lhe dado um “espinho na carne”. Na tradução The Message, usa-se a expressão: “Dom ou dádiva de uma deficiência”. E a razão parece ser evidente: isso é para que você fique em permanente contato com as suas limitações!
Fico imaginando (já que é o que posso fazer): esse espinho pode ser a representação de qualquer coisa – a) uma deficiência física ou mental; b) uma carência emocional; c) uma limitação externa ou desarranjo provocado por alguém ou por uma situação adversa, etc. Para mim, o espinho é um antídoto às avessas, é o que me livra de ser dominado pela vontade de poder, de ser massacrado pelo meu ego.
Dificilmente de cara vejo essa deficiência como uma dádiva, não é mesmo? É, na verdade, um incômodo, um embaraço, que desejo arrancar a todo custo, como Paulo (v. 8). E nessas horas nós procuramos o cirurgião, queremos a cirurgia! Mas o cirurgião diz: não vou te operar, porque eu já estou operando em você, de um modo diferente... Deus opera com a Graça! E por isso ele diz: a minha graça é suficiente para você. E essa é uma palavra apropriada: “deficiência”, pois é o oposto de “suficiência”. É por isso que lutamos tanto contra ela, não é? Porque almejamos a suficiência quase em tudo, ou em tudo o que podemos.
Um dos erros da vida intelectual hoje é o de continuarmos sendo modernos no sentido de buscar a suficiência e evitar o erro a todo custo, como se ele fosse o câncer da ciência. Pelo contrário, o câncer da ciência se chama sufi-ciência! É quando o cientista ou intelectual pensa que a ciência tem todas as respostas e é capaz de tudo e mais um pouco. Essa falsa assunção é (foi) sua ruína. Pois o erro não é defeito, mas é a condição de continuidade e processualidade da ciência, pois “ciência sem erro é dogma”, afirma Pedro Demo, e mais: “A renovação do conhecimento é diretamente proporcional a presença do erro”.[1]
Assim, a fraqueza – seja ela em que dimensão se apresentar – é condição de nossa continuidade na graça, de nossa dependência de Cristo, do aperfeiçoamento de seu poder em nós, como intelectuais a serviço do Reino! Que você e eu aprendamos a celebrar e a ser agradecidos por aquilo que somos, com nossas virtudes e defeitos. Que o Senhor da graça nos ajude a exercitar nossa humildade em nossa aceitação de que não podemos tudo, nem temos controle sobre tudo e resposta para todas as coisas.
Jonathan
Nota
[1] DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1995, p. 53.
Excelente e pertinente. abs
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