quinta-feira, 19 de março de 2009

O Evangelho Integral (Parte II)

Esse tipo de crítica nasce do discernimento de que a vivência da fé não pode estar separada de uma responsabilidade mais ampla com o todo criado por Deus, e de que missão, antes de tudo, é a ação de Deus por meio do Espírito Santo (o seu agente) visando resgatar a humanidade das situações de morte e pecado em que se encontra. O Espírito habita onde há liberdade, além de gerar e agir em liberdade. A igreja que compreende que ação do Espírito não está circunscrita a seu arraial e nem é seu monopólio, é aquela apta a ser agente com Deus dessa missão de transformação da realidade do ser humano como um todo.

O Espírito é irreverente e, portanto, promove as revoluções de Deus no meio da humanidade das formas mais inusitadas. Em função dessa consciência teológica mais atrelada à vida, ao humano, e de uma reflexão-ação missiológica integral, passa-se a demonstrar que Deus não é um ponto fixo e distante da história (“ele não vive longe lá no céu sem se importar comigo”, como diz a canção “Nas estrelas”), mas possui uma história, escrita por meio da encarnação de seu filho Jesus, que entrou em nossa história em solidariedade com a dor e a angústia humanas. Ele se identifica plenamente com a humanidade. Em especial, com as gentes crucificadas, injustiçadas e exploradas pela impiedade de outros humanos.

Ele faz “opções naturais”. E, ao fazer algumas opções, ele estabelece grupos de pessoas, os “bem-aventurados”, que têm “prioridade” no reino: os humildes de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça (Mt 5.1-12). Ele usa essas pessoas como modelo não porque são melhores que as demais, mas porque, dada a sua impossibilidade de alcançar êxito por suas próprias mãos (isto é, não têm “mérito” algum no que realizam), dependem exclusivamente da graça e favor divinos para viver; não têm nada mais além de Deus, assim podem pôr sua fé inteiramente Nele. Transpondo essa mensagem para a nossa realidade latino-americana, Orlando Costas fala sobre esses “privilegiados” do evangelho hoje:

São os povos autóctones e as minorias étnicas, os desempregados e os mal-pagos, os exilados, refugiados e imigrantes ilegais, os campesinos explorados e a subclasse social permanente que habita em guetos urbanos, subúrbios, favelas e lugares de miséria. São também as prostitutas, os presos, os alcoólatras e viciados em drogas; os idosos solitários e os jovens frustrados, as mulheres denegridas, os abusados, desprezados e os homossexuais rechaçados e deserdados.

(O. Costas, Evangelización Contextual, p. 85-86).

O mais interessante é que essas prioridades de Deus colocam à margem o que era central e no centro aquilo que é marginal: o maior é o menor no reino dos céus, e aquele que se humilha será exaltado – são princípios do evangelho, boas novas de um Deus interessado na justiça e restauração da dignidade ao ser humano. Deus parece ter paixão pelo marginal – enquanto nós, muitas vezes temos ojeriza. Os “centros” parecem estar quase sempre muito focados em si mesmos e na manutenção de suas estruturas. Assim, o Espírito encontra alternativas “comendo pelas beiradas”, promovendo suas revoluções a partir das periferias da vida. Senão, por que o Filho foi nascer justo em Belém da Judéia, e não em Jerusalém? Por que o lugar de sua criação foi Nazaré da Galiléia e a simplicidade de uma vida no campo, entre os plebeus, a não o conforto e as mordomias (dignas de “rei”) no interior dos palácios de Jerusalém?

Jesus sai do meio de gente desprezada e marginal, e passa a ser visto como um “comum” igualzinho a eles: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão?” (Mc 6.3), perguntaram os galileus ao se depararem com o Jesus profeta. Ele era muito galileu, muito humano, muito próximo deles para que pudessem enxergar o contrário. Todavia, as credenciais messiânicas de Jesus estavam precisamente em ele ter-se feito um desprezado, humano e pobre. E não apenas nisso, mas também, sendo Senhor e Rei, em ter-se feito servo de todos.

(Continua...)
*Imagem: extraída de http://www.blogdocaminho.com.br/

Jonathan

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