Os leitores desse blog certamente sabem de minha grande apreciação pela vida e obra de Henri Nouwen. Senão, basta reler alguns posts antigos para perceber o quão fundamental em minha caminhada foi e tem sido os escritos e o exemplo desse padre holandês. Pois bem, por estar morando em sua pátria de origem, não poderia deixar de procurar vestígios aqui sobre ele. Encontrei seu irmão, Laurent Nouwen, que foi muito simpático e me convidou para uma palestra que aconteceu em Utrecht, cidade próxima a Amsterdam, no dia de ontem, como continuidade a um série de palestras que a Henri Nouwen Society aqui na Holanda tem promovido. O tema, obviamente, foi espiritualidade, e a convidada da vez, para minha surpresa, foi uma brasileira, a teóloga Ivone Gebara, que trabalha com os pobres dos pobres em Recife há muitos anos. Apesar de suas dificuldades com o inglês, Ivone foi muito feliz em sua palestra, e bastante insistente em dizer repetidas vezes que espiritualidade não é somente isso ou aquilo; é isso, aquilo e muito mais (ela usou muito a expressão “more than that”).
Duas palavras a respeito: a) Às vezes pensamos que certas concepções são privilégio de um grupo e, se observarmos bem, logo perceberemos que isso não é verdade. Há muitas pessoas que pensam e agem de formas muito parecidas, mas utilizando linguagens diferentes. Assim é com a questão da “espiritualidade integral”, conceito diluído em exemplos ricos de vida expressos na fala de Ivone; b) nesse sentido, a espiritualidade não se resume a um cantinho separado da vida o qual dedicamos a Deus, mas é a própria vida vivida integralmente na perspectiva de Deus. Logo, espiritual não é somente algo relacionado à disciplinas espirituais (como oração, jejum, etc.), pode ser também uma conversa sincera, uma corrida no parque, um dia duro de trabalho, e assim por diante. Deus não nos ama e nem nos enxerga em compartimentos, tampouco nos criou para isso. É sinal de esperança ver que pessoas como Ivone partilham desse mesmo sentimento e têm espalhado a vida de Deus por aí, espontâneamente.
Hoje visitamos alguns trabalhos de diaconia na cidade de Amsterdam, a maioria deles relacionados com acolhimento, hospitalidade e reintegração de pessoas marginalizadas (desabrigados, imigrantes ilegais, drogaditos). Trabalhos como o do Exército da Salvação (Salvation Army). Visitamos uma das casas para os “Homeless”, que é como chamam em inglês as pessoas desabrigadas. Me impressionou ver na fala de uma jovem que trabalha no local tanta maturidade e sensibilidade ao dizer que “essas pessoas são pessoas como nós”, logo o ato de compaixão é mais que um “dever cristão”, é o ato de me enxergar no outro e perceber que nada do que é humano me pode ser estranho. Mesmo numa sociedade opulenta (endinheirada, materialmente abastada) como a sociedade holandesa, existem os sem-tetos, os sem-visto, os marginalizados, que o governo faz um grande esforço pra manter longe dos olhos turísticos, mas que estão por aí. Me tocou também ouvir de um pastor da igreja Victory Outreach Amsterdam, dedicada a alcoólicos e drogaditos em processo de reabilitação, que “aqui tratamos as pessoas como pessoas”. Sentença simples, mas muito significativa numa sociedade que tende a identificar o “outro” por sua condição ou posição na socidade – o negro, o latino, a mulher muçulmana, o asiático, o imigrante, etc, em detrimento do “puro” holandês.
Por fim, me impressiounou a honesta confissão de Erika, da equipe da “The world one house” - um lugar de encontro e ajuda de pessoas sem documento válido para permanência legal na Holanda. Ela disse que as pessoas na sociedade holandesa são materialmente equipadas para não precisar de mais nada além de si mesmas. Logo, figuram entre os homeless, os “Godless” (os sem-Deus), que cresceram num lar religioso certamente, mas que não vêm nenhuma conexão entre a vida que levam e a necessidade de servir ou de viver pra Deus, ou de seguir a religião de seus pais. A rejeição dos jovens de Amsterdam em relação a Deus é pior que a de Londrina, minha hometown, por ser considerada a cidade mais secular da Europa, mas diria que não estamos muito longe de tal realidade. Fico me perguntando o que podem ser sementes de esperança em contextos como esse? O que fazer para que as novas gerações possam se aproximar do evangelho? Como reconstruir as pontes de contato, perdidas no processo maciço de secularização e na lacuna existente entre gerações? Perguntas que a Igreja na Holanda precisa tentar responder de forma prática e rápida. E creio que as mesmas questões, em diferentes proporções, também sejam válidas para a Igreja em Londrina e nas grandes cidades do Brasil.
Jonathan
Foto: Com Laurent Nouwen e Ivone Gebara em Utrecht
Meu amigo Jon
ResponderExcluirFoi muito legal falar com vc nesta tarde no skype. Quanto a experiência em conhecer o Laurent Nouwen no evento em Utrecht, imagino sua emoção.
Fiquei pensando após a leitura do post, sobre a a mensagem da Ivone Gebara e fiquei pensando nos desafios de uma vida pautada pela perspectiva da Espiritualidade Integral. Creio que, em nosso “mundo” isto é muito conflitivo, dado a importância do aspecto denunciador de nosso sistema perverso.
Abraço
PC - www.falapc.com
Amigo PC,
ResponderExcluirsempre um prazer falar contigo, que tanto tem me incentivado desde tão cedo na vida... Também creio numa espiritualidade que se dá em meio a processos conflitivos: na luta contra os sistemas iníquos que nos envolvem, e na luta com a iniquidade que habita em nós. Já dizia Paulo: "lutas por fora, tremores por dentro", algo assim...
Abs,
Jon
O evangelho deveria ser a sementa da esperança né?!...creio que os relacionamentos devem ser essa semente, já que a razão e a absolutização da verdade, perdem espaço a cada dia.
ResponderExcluirComo te disseram aí, tratar pessoas como pessoas.
Abração!
ps: hj vi um texto sobre missão integral que baixei há algum tempo e não tinha percebido que era seu...hehehe!Muito bom!
Opa, valeu André... obrigado por comentar!
ResponderExcluirFica na paz!